segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A partir de amanhã, trabalhadores e classe média brasileira começam a declarar IR e vão avaliar de maneira cidadã porque a tabela não foi corrigida

Correção da tabela do IR não acompanha inflação e faz classe média pagar mais imposto

A classe média brasileira - que se prepara para a partir da próxima terça-feira acertar as contas com o Leão - sente no bolso os efeitos da falta de correção integral na tabela do Imposto de Renda (IR). Levantamento da consultoria Ernst & Young Terco para O GLOBO mostra que o contribuinte brasileiro paga o IR com uma defasagem - quando o reajuste da tabela do IR perde para a inflação - que chega a 44,35% no acumulado dos últimos 15 anos.

Isso porque a inflação brasileira avançou 97,85% e o reajuste da tabela ficou em 53,50%. Caso a presidente Dilma Rousseff repita o padrão usado desde 2007 e corrija novamente em 4,5% a tabela do IR este ano - a previsão é que a medida provisória sobre o tema seja editada esta semana - a defasagem subirá para 45,60%, considerando uma estimativa de inflação de 5,75% para 2011.

Na Era Lula, essa defasagem fora de 10,31%, contra 56,45% do governo Fernando Henrique Cardoso. Segundo especialistas, o descompasso entre IR e alta dos preços faz com que mais pessoas passem a dar satisfações ao Fisco, aumentando, assim, a arrecadação federal.

- O imposto incide sobre a renda de uma forma progressiva, ou seja, quanto mais renda, mais imposto. Se a tabela não é corrigida conforme a inflação, o brasileiro, além de perder poder de compra, paga imposto sobre ganhos que, na verdade, não foram reais - disse Tatiana da Ponte, sócia da Ernst & Young Terco.

- Hoje, uma pessoa que recebe R$ 1.459 está isenta de recolher IR. Mas, se receber um aumento de R$ 65, deixa de ser isento. Na verdade, ela não teve aumento algum. Tanto que vai deixar de comprar algo para pagar o IR. Se houvesse uma atualização que levasse em conta a inflação, essa pessoa continuaria na faixa de isenção.

Defasagem no Brasil é o dobro da China— A tendência é de que essa defasagem do IR no Brasil ainda se agrave nos próximos anos - o que vai fazer o contribuinte sentir mais a mordida do Leão. Um ajuste de 4,5% na tabela, caso confirmado, não deve se igualar à inflação de 2011. Isso, considerando que já nos primeiros meses do ano muitos analistas já estão prevendo a inflação acumulada na faixa dos 6% - bem próximo ao teto da meta de inflação fixada pelo governo para este ano, em 6,5%. Um cenário que ganha mais instabilidade com a alta das commodities, especialmente do petróleo, que sofre impactos diretos dos conflitos na Líbia e da crise na região.

De acordo com o levantamento da consultoria, a defasagem dos últimos 15 anos - de 44,35% - é quase o dobro da dos chineses. A pesquisa considera o período após a estabilização dos preços no Brasil, a partir de 1996. Na China, onde não houve ajuste na tabela progressiva de IR nos últimos 15 anos, a defasagem é de 27,60%. No Chile, por sua vez, o ajuste da tabela do IR é feito com base em uma Unidade Tributária Mensal (UTM), que acompanha a inflação. Assim, a correção do IR torna-se integral. Com isso, relativamente, os brasileiros passaram a pagar mais imposto do que chineses e chilenos. Ou seja: diante de uma tabela desatualizada, os brasileiros - especialmente a classe média - veem sua renda ser mais garfada pelo Leão. O Brasil, pelo estudo, fica numa situação mais confortável do que Venezuela e Colômbia.

Segundo Gilberto Braga, professor do Ibmec, há um descompasso entre os reajustes salariais de várias categorias profissionais - que contemplam a inflação - com a tabela do IR. Ao ser adotado um indexador indiferente à variação anual dos preços, os trabalhadores acabam pagando mais imposto e perdendo poder compra.

- E, mesmo com uma carga tributária crescente, os brasileiros ainda precisam ter gastos para compensar a ausência do Estado em vários aspectos. A maioria dos contribuintes precisa pagar, por exemplo, plano de saúde, educação particular.

O estudo da Ernst & Young Terco mostra ainda o avanço da renda desde 1996 - quando se observa uma maior estabilização do real, lançado dois anos antes. Se, em 1996, brasileiros que recebiam até 8,4 salários mínimos estavam isentos de recolher o IR; a previsão é de que esse grupo esteja sujeito à alíquota máxima (27,5%) em 2010. O que reflete a política de ganhos reais do salário mínimo - cujo valor subiu acima da inflação - nos últimos anos, além da correção parcial da tabela do imposto.

- A inflação sobe mais do que o ajuste que o governo dá ao IR. O ideal, é claro, é que não se tenha defasagem. Mas, com o quadro atual, mais pessoas estão recolhendo mais IR. E, assim, o governo aumenta a sua arrecadação - disse Carlos Martins, líder de Imposto de Renda para o escritório do Rio da Ernst & Young Terco.

PIB do país justifica correção maior no IR — Na avaliação do consultor tributário da Confirp, Welinton Motta, o crescimento do país já não justifica uma tabela de IR tão defasada. Ele diz isso porque, num movimento mais forte do que acontecia há 15 anos, os trabalhadores vêm apresentando ganhos salariais reais e, com isso, uma maior mobilidade social. O ícone dessa ascensão é, sem dúvida, a expansão da classe C no país - que deve receber mais de 5 milhões de brasileiros por ano, nos próximos anos.

- Certamente, o aumento do número de declarantes seria menor se a defasagem na tabela do IR fosse corrigida. Essa defasagem faz a Receita aumentar a arrecadação. E isso não acontece só porque aumentam os que passam a declarar o IR, mas também porque há mudanças de faixa.

A especialista Juliana Ono, da FISCOSoft Editora, lembra que a defasagem do IR tira de circulação uma renda que movimentaria a economia - seja para consumo, poupança ou investimento para educação.

- Especialmente por estarmos diante de uma tabela que exige correções, o contribuinte deve redobrar os cuidados ao fazer sua declaração. Se não, pode ter prejuízos ainda maiores ou mesmo cair na malha fina.

Salo Maldonado e seu pa já começaram a se preparar para declarar o IR. Ambos preferem não deixar para a última hora a declaração. Maldonado lembra que já recusou um aumento de renda que, na verdade, significaria uma perda de R$ 50 no fim do mês.

- Eu mudaria de faixa e, então, a fatia para o governo seria maior. O ideal seria ou a Receita tornar a tabela mais progressiva, com mais alíquotas, ou ampliar a faixa dos isentos. É claro que a conta dessa perda de arrecadação seria paga pelo contribuinte de alguma outra forma - disse ele. (Fonte: O Globo)

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Acordo mina programa de combate a trabalho escravo
Governo desiste de recorrer contra liminar que excluiu Cosan de "lista suja". Decisão abre brecha que poderá ser explorada por outras empresas flagradas por fiscais do Ministério do Trabalho.
Um acordo fechado no ano passado pelo governo federal com o grupo Cosan, maior produtor de açúcar e álcool do mundo, abriu uma brecha que poderá reduzir a eficácia do principal instrumento de que o país dispõe para combater o trabalho escravo.
O acordo permite que a Cosan mantenha seu nome excluído da chamada "lista suja" do Ministério do Trabalho, um cadastro público de empresas acusadas de submeter trabalhadores a situações análogas à escravidão, onde o grupo foi incluído pelo próprio governo em 2009.
O êxito obtido pela Cosan poderá estimular outras empresas flagradas pelos fiscais do Ministério do Trabalho a negociar acordos semelhantes com o governo para evitar a exposição na lista, que impede o acesso a crédito público e afugenta fornecedores.
"Assim era melhor o governo acabar logo com a lista", disse a procuradora Ruth Vilela, que chefiou por 13 anos a Secretaria Nacional da Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho, e foi a principal responsável pela criação do cadastro. Ela saiu do governo no ano passado.
Para o frei Xavier Plassat, membro da Conatrae (Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo), grupo vinculado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência, o acordo da Cosan provocará avalanche de pedidos similares.
A Cosan foi incluída na lista do Ministério do Trabalho por causa de um processo iniciado em 2007, quando os fiscais do governo encontraram problemas no tratamento que uma empresa terceirizada que prestava serviços à Cosan em Igarapava (SP) dava a seus funcionários.
Segundo o Ministério Público do Trabalho, os 42 trabalhadores viviam em alojamentos precários, sem alimentação decente e transporte adequado, e haviam sido forçados a se endividar em estabelecimentos comerciais no local de trabalho.
CONTROLE EXTERNO — No ano passado, a Cosan recorreu à Justiça e conseguiu uma liminar que a excluiu da lista. Por causa do acordo fechado no fim do ano, a AGU (Advocacia-Geral da União) deixou de recorrer contra a decisão judicial que beneficiou o grupo Cosan.
Em troca, a empresa se comprometeu a aprimorar mecanismos internos de fiscalização e se submeter a controles externos.
Foi a Cosan que propôs o acordo à AGU. Conhecido como TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), ainda precisa ser homologado pela Justiça do Trabalho.
Foi a primeira vez que o governo fez um acordo desses. Empresas que foram excluídas da lista do ministério só tiveram sucesso após recorrer aos tribunais. Quase sempre, a AGU recorreu e derrubou as liminares.
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, reconheceu que a preocupação dos defensores da lista é "legítima", mas afirmou que o acordo com a Cosan tem caráter "excepcional" e disse que o governo não pretende virar um "balcão de TACs".
A Cosan foi incluída na lista em 31 de dezembro de 2009 e conseguiu a liminar que a excluiu do cadastro oito dias depois. O juiz concluiu que as infrações apontadas não bastavam para caracterizar o trabalho escravo.
Em 2010, a Cosan concordou em desembolsar R$ 3,4 milhões por não cumprir três acordos semelhantes ao que assinou com a AGU, firmados com o Ministério Público do Trabalho. O dinheiro custeou serviços de saúde e equipamentos de proteção. (Folha)